Ex-combatente do Araguaia diz que guerrilha ainda não acabou
KARLA LOSSE MENDES
colaboração para a Folha Online
Ex-combatente da Guerrilha do Araguaia, Michéias Gomes de Almeida, 71, mais conhecido como Zezinho do Araguaia, diz que para ele a luta continua. "Para mim a guerrilha ainda não acabou. A guerrilha só vai acabar quando houver respeito ao ser humano, quando houver liberdade para as pessoas", afirmou.
Ele conta que viveu cerca de 33 anos na clandestinidade após fugir da região da guerrilha, em 1975. Neste período, Almeida afirma ter utilizado mais de 80 codinomes e chegou a casar com o nome de Antônio Pereira de Oliveira, por medo de ser reconhecido.
Somente agora, mais de 30 anos depois, o ex-guerrilheiro comemora a mudança do nome na certidão de casamento. Ele diz que fará outra cerimônia de casamento, agora com o nome real. A festa ainda não tem data para acontecer.
Para Almeida, não é possível dizer que a guerrilha do Araguaia acabou enquanto a história do período não estiver esclarecida e os corpos identificados. "'O meu esforço está concentrado em identificar os que já estão exumados."
Ele reclama da demora em identificar os corpos retirados em 2001 pela expedição que participou. "Existem corpos para serem identificados e agora estão buscando mais corpos para a coleção da não identificação."
Segundo o ex-combatente, foram resgatados na época seis corpos e uma cabeça, que teriam sido retirados com nome de um cemitério da região. Ele defende que a identificação, nesses casos, não dependeria de DNA.
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"O primeiro a identificar a Maria Lúcia [Petit] foi [o médico legista] Badan Palhares, e não foi por DNA. Por que cargas d'água querem identificar apenas por DNA, que representa 4% de todas as identificações realizadas no mundo, porque desconsiderar outros métodos?", questiona. Ele afirma que a guerrilheira foi identificada por pertences que estavam com ela.
Almeida diz que manter os corpos sem identificação seria mais um crime, agora contra os familiares dos desaparecidos. "Quem são essas pessoas responsáveis por essa tortura com os familiares? É uma pergunta, porque vilipêndio é crime, e isso não é outra coisa, é vilipêndio", afirma.
"Aquelas famílias morreram sem ver seus entes queridos exumados e com identificação", comenta, ao dizer que acompanhou com tristeza a redução, ao longo do tempo, no número de famílias que acompanhavam as buscas.
Para Almeida, a questão não é somente encontrar os ex-guerrilheiros, mas sim todos os que participaram da batalha. "Quando eu ando procurando os meus companheiros, estou buscando também achar onde estão enterrados os soldados e os camponeses. Porque as famílias deles sofrem tanto quanto as famílias dos guerrilheiros", afirmou.
Almeida afirma que é preciso mais inteligência e novas formas de combate para elucidar este período da história e na luta pela punição dos responsáveis por crimes de tortura e assassinato.
"Nós fomos para a luta armada porque não tínhamos outra opção. Agora, eu tenho a obrigação e o dever de sugerir alternativas. Nós estamos perdendo tempo e temos que ter um pouco mais de perspicácia nessa luta."
Na opinião do ex-combatente, também é importante ouvir o depoimento de todas as pessoas ligadas ao período, o que significaria a verdadeira abertura de arquivos. "Aqueles que estão aqui, que participaram de todas as etapas, soldados, estudantes, operários, esses são os verdadeiros arquivos."
Para ele, os depoimentos facilitariam as buscas, além de revelar naturalmente informações que estariam até hoje ocultas. "Os arquivos que estão nos armários perderão valor quando as testemunhas falarem sobre o assunto e isso abriria os arquivos que estão no armário sem pressão."