domingo, 30 de março de 2014

'Me orgulho de nunca ter entregado ninguém', diz ex-companheira de cela de Dilma

Por Luciana Lima - iG Brasília |


FONTE:

http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2014-03-30/50-anos-do-golpe-me-orgulho-de-nunca-ter-entregado-ninguem-diz-ex-companheira-de-cela-de-dilma.html


Sônia Hypólito brinca que era chamada de 'urso gordo' e guarda até hoje bilhete que recebeu da presidente ao deixar o presídio. Para ela, luta armada foi a única forma de resistir

A servidora pública do quadro da Câmara dos Deputados, Sônia Hypólito, 65 anos, diz ter esquecido muitos detalhes do período em que lutou intensamente contra a ditadura militar. No entanto, em meio às lembranças, coexistem inusitadas doses de humor e drama, do tempo em que lutou pela democracia no País, ficou presa e dividiu beliche com Dilma Rousseff, no Presídio Tiradentes, em São Paulo.
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“Na verdade, ela me enchia o saco porque ela me chamava de urso gordo”, conta Sônia em meio a gargalhadas. “Ela dormia na cama de baixo e eu na cama de cima. Então, ela estava sempre me enchendo o saco”, conta com um tom de carinho.

Desta época, Sônia guarda uma relíquia: o bilhete que recebeu da hoje presidente da República, quando saiu do presídio. “A carta começa com a seguinte frase: ‘Querido Urso Gordo’. Guardo comigo até hoje esse bilhete, a sete chaves. Ela era uma pessoa diferente. Muito quieta, sempre muito estudiosa, passava o dia lendo muito, mas também fazia trabalhos manuais para passar o tempo. Todas nós fazíamos crochê, de barbante. Hoje não gosto nem de ver”, lembra.
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Sônia é uma das “donzelas da torre”, apelido do grupo de mulheres que passou pelo prédio mais alto, bem no centro do Presídio Tiradentes. Da “torre”, propriamente dita, restou apenas o arco de entrada na Avenida Tiradentes, esquina com a Praça Coronel Fernando Prestes em São Paulo. No final de 1972, todo presídio foi demolido em função das obras do Metrô.
“Justiçamento”
Divulgação
Portal de pedra do antigo presídio Tiradentes, onde Sônia dividiu cela com Dilma
No baú de memórias de Sônia, ela também fala de um rosto nunca lhe saiu da cabeça. A face do presidente do grupo Ultra, o dinamarquês naturalizado brasileiro, Henning Albert Boilesen, assassinado em São Paulo pela resistência em 15 de abril de 1971.
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O grupo Ultra, dono da empresa Ultragás, é investigado por ser responsável pela “caixinha” dos empresários financiadores da chamada Operação Bandeirantes (Oban). A Oban foi financiada por diversos doadores privados. Além do Grupo Ultra, figuram empresas como a Ford, GM, Grupo Camargo Corrêa, Grupo Objetivo, Grupo Folha, o banqueiro Amador Aguiar, do Bradesco, entre outros, todos na lista de investigação da Comissão Nacional da Verdade.
Sem a memória fotográfica de Sônia, o “justiçamento” de Boilesen, termo usado pelos militantes, não teria sido possível. Ela conta que, quando ficou presa na Oban, a visita do empresário era aguardada como alvoroço pelos torturadores.
“Havia uma gritaria geral. Os policiais repetiam: o chefão vai chegar, o chefão vai chegar. Eu vi, por uma ou duas vezes, um homem, de terno e gravata, que entrava nas celas, fazia perguntas, falava com os torturadores. Estava na cara que era um civil dando ordens aos miliares”.
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A identificação só ocorreu depois que Sônia saiu da prisão, em liberdade condicional, e voltou para a casa dos pais. “Meu pai era diretor de uma indústria e trazia muitas revistas empresariais para casa. Um dia ele trouxe uma revista chamada Banas, que não existe mais. Foto de capa: Henning Albert Boilesen. Passei essa informação para a organização, localizamos a casa e daí foi feito o “justiçamento” dele”.

Luta armada
Para Sônia, seu maior orgulho foi não ter nunca entregado nenhum dos companheiros, apesar das torturas que sofreu na prisão. “Me orgulho de nunca ter entregado um companheiro”, diz. Para ela, a luta armada não foi um erro. Era uma tática necessária em um momento em que não havia outras armas.
“O que nós fizemos foi importantíssimo, tinha que ser feito. Foi uma forma de mostrar que tinha gente disposta a lutar contra eles, que tinha gente que não ia baixar a cabeça frente a eles. Não tinha outro jeito de fazer. Não tinha rádio, não tinha televisão, não podia panfletar, não podia nada, o Congresso estava fechado. Só nos restava partir para a luta”, destacou.
“A gente errou em algumas coisas, mas acho que, em respeito a todos os companheiros assassinados, sob tortura, sob as formas mais cruéis de violência, nós temos que valorizar nossa luta. Nós contribuímos um pouquinho para a derrota da ditadura porque eu acho que a gente deixou sementes, a gente mostrou quer era possível. Depois outras formas de lutar apareceram, mas eu acho que nossa coragem, nosso desprendimento, nossa dedicação valeram”, ressaltou.
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sábado, 29 de março de 2014

Filhos da ditadura: orgulho e dor marcam gerações de quem resistiu ao período

Por Priscilla Borges - iG Brasília | r

As novas gerações precisam ouvir repetidamente as histórias – e seus detalhes – para não perder a democracia de vista, dizem os filhos dos militantes torturados no regime militar

Golpe, ditadura, perseguição, tortura, exílio. Essas palavras de difícil conceito para a maioria das crianças fizeram parte da rotina, dos diálogos familiares e da vida de centenas de pequenos brasileiros que tiveram suas trajetórias completamente alteradas pelo ano de 1964. Os filhos e os netos de quem enfrentou a ditadura militar aprenderam - em sua maioria - desde muito cedo o prejuízo da restrição da liberdade de expressão, os horrores da repressão ao contraditório e a importância da democracia e do direito de ir e vir.
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Tiveram, muitas vezes no auge de sua inocência, de ouvir (e ver) histórias da crueldade. Conhecer o sofrimento daqueles que deveriam ser heróis por os protegerem de monstros imaginários e que terminaram vivendo pesadelos reais, afastados da família. A geração que herdou a história de lutas dos pais, de modo geral, relembra o passado com orgulho. O amadurecimento fez com que aqueles pais fossem mais do que heróis dos próprios filhos.
Muitos, para além do romantismo da luta, sofrem ainda as consequências de violências, separações, rupturas precoces. Em comum, os filhos de quem resistiu ao regime instaurado pelos militares no País, após a deposição do presidente João Goulart em 1964, carregam uma experiência política e histórica diferente da maioria dos brasileiros.
O iG conversou com algumas pessoas que, desde muito pequenos, tiveram suas histórias transformadas pela ditadura. Todos foram unânimes em falar de orgulho e necessidade de manter essa história viva.
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Privação da convivência
Para o ex-ministro da Saúde e atual pré-candidato do PT ao governo de São Paulo, Alexandre Padilha, a ditadura significou, antes de mais nada, a privação do contato físico com o pai. Só aos 8 anos, ele abraçou Anivaldo Padilha, pela primeira vez. Bem antes disso, no entanto, precisou compreender os significados de ditadura, tortura, exílio, democracia. As primeiras lembranças dos termos e explicações começam entre 3 e 4 anos.
iG Brasília
Padilha conta que abraçou o pai, exilado político, pela primeira vez aos 8 anos: 'Para mim, eles (militantes) foram verdadeiros heróis'

“Minha mãe e minha avó me contaram essas histórias muito cedo, porque eu precisava entender o que era ditadura para entender a ausência do meu pai ao meu lado, entender por que eu recebia cartas, gravações em fitas, por que eu tinha de trocar tanto de casa. Eu tinha 3, 4 anos”, conta. Em vez de traumas, ele garante que foi colecionando orgulho do pai e da mãe, que enfrentou as dificuldades para manter o contato possível entre pai e filho. Que não se furtava de explicar a história do País. Que o levou para participar de manifestações e assembleias desde pequeno. “Ela tinha medo de me deixar em casa sozinho”, lembra.
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Padilha acredita que, mais do que isso, a mãe tentava lhe ensinar conceitos, como o enfrentamento. “Essa experiência foi decisiva para construir o espírito democrático na minha identidade. Isso gerou minha consciência de defesa da justiça social, de combate à desigualdade social. Faz parte da minha formação o gosto e a validade da democracia, da liberdade de imprensa, do respeito às diferentes opiniões”, define.
Os “tios da resistência”, companheiros dos pais que ajudavam a trazer e mandar presentes, fitas com conversas gravadas (para que pai e filho reconhecessem a voz um do outro) e cartas. Anivaldo, seu pai, era militante da causa cristã e fora preso em 1970. Depois de dez 10 meses preso, passou mais de dez anos exilado. Nos Estados Unidos, casou-se novamente e teve dois filhos que também se correspondiam com o irmão mais velho por cartas e fitas. “Esses tios conviviam muito conosco, traziam informações seguras do meu pai. Tenho muito carinho por eles”, diz.
O primeiro abraço físico só ocorreu em 1979. Alexandre Padilha já tinha 8 anos. O ex-ministro garante que não guarda mágoas do período, mas defende que as “histórias da ditadura” sejam concretas. Ele lembra que, na escola, ele repetia sua história – de separação dos pais, exílio, distância – e sua professora dizia que ele estava mentindo. As experiências pareciam loucura até aos olhos de quem viveu o período.
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“Nem todo mundo viveu de forma clara essas realidades. Construir a memória, sobretudo entre as novas gerações, é muito importante. É fazer com que as pessoas continuem preferindo o ruído de diversas opiniões do que o silêncio da ditadura”, ressalta. Ter vivido a ditadura dessa forma, ele garante, o fez gostar da política, o transformou. “Para mim, eles foram verdadeiros heróis. Meus pais e todos aqueles tios da resistência também”, garante.
Perdas e buscas
A ditadura militar marcou toda a família de Christopher Goulart, de 37 anos. Neto do ex-presidente João Goulart, deposto após o golpe de 1964, ele nasceu apenas 2 meses antes de o avô morrer. É o único neto que ele conheceu. Um dos anistiados mais jovens do País. O período de perseguição à família marcou sua vida de inúmeras formas: a falta do avô, as constantes mudanças de casa, as três nacionalidades.
Reprodução Facebook
Neto de Jango, Christopher nasceu apenas 2 meses antes de o avô morrer: 'Não existe um dia que eu não ouça o nome do meu avô'

Filho de João Vicente, o filho de Jango, e de uma uruguaia, Christopher ainda ganhou nacionalidade do país onde precisou nascer: a Inglaterra. Cresceu tentando compreender quem era o avô carismático e simples das histórias dos trabalhadores das fazendas da família, dos amigos. Ao mesmo tempo, queria entender o avô-presidente, de ideias “diferentes” da maioria, que foi deposto, fugiu e morreu cedo.
Christopher estudou a fundo a história do País e do avô. Decidiu seguir uma carreira política e revisitar as ideias e propostas do então presidente. Acredita que muitas podem ser atualizadas e colocadas em prática. Advogado, é um dos representantes do processo que culminou na exumação do corpo de Jango. Os resultados podem revelar uma morte provocada por envenenamento, como desconfia a família, e não uma morte natural, como sempre se acreditou.
Coronel admite torturas e mortes: 'Cumpri meu dever e não sei quantos matei'
As visitas a São Borja, cidade do avô, se tornaram uma constante. Ele gosta. “Tem uma coisa peculiar na minha história, diretamente ou indiretamente, não existe um dia que eu não tenha ouvido falar o nome do meu avô. Carrego a idade do falecimento dele. Apesar de não ter convivido com ele, é uma figura muito presente na minha vida”, admite. Carregar a responsabilidade da herança, ele diz, não é fácil. Mas ele quer assumir os riscos.
Hoje secretário municipal de Assistência Social em Porto Alegre, o advogado conta que o peso da história familiar foi sentido na adolescência. A contestação e a popularidade do avô ficaram mais claras. Os conceitos repetidos nas conversas familiares e de amigos – deposição, golpe, exílio – ficaram mais claros. “Eu acho que hoje sou o que estou mais engajado politicamente, vivo o meio político, estou fazendo política”, diz.
Rupturas e reconstruções
Márcia Losada, 37 anos, tem recordações prazerosas do pátio, dos jardins e dos bichos bem cuidados do local onde se encontrava com o pai ainda bem pequenina. A inocência infantil – e a “sorte” de poder visitar o pai preso em um seminário – a pouparam de entender que o pai não estava ali porque queria e de conhecer o presídio onde passou anos antes. A irmã mais velha, filha de outra mãe que frequentou a prisão, tem lembranças dolorosas.
Arquivo pessoal
Márcia Losada (c) com o pai, ex-militante na ditadura, e a mãe: 'Sempre tive muito orgulho. A minha família me ensinou isso'

O pai de Márcia, Antonio Losada, hoje com 79 anos, era um militante contra a ditadura e ajudou a fundar um dos grupos da luta armada, o VAR-Palmares, o mesmo da presidente Dilma Rousseff. Compreender a luta e as opções – como as armas – do pai não foram tarefas fáceis. Foram anos de estudo, leitura e escuta de histórias. Losada foi um dos últimos presos políticos do Rio Grande do Sul a ser libertado, em 1979.
Antes de o pai voltar para casa, a mãe de Márcia explicava os significados da ditadura, contava histórias. Com o pai lá, as aventuras partilhadas, os amigos frequentes, as reuniões de partido ajudaram a construir a trajetória da família – e dos militantes – naquele período. “Um dia ele me explicou o que eles queriam, a importância de direitos iguais. Sempre tive muito orgulho, a minha família me ensinou isso”, conta.
Difícil até hoje, para ela, é pensar nas torturas, no sofrimento do pai no período. Até hoje, a agitação e os pesadelos fazem parte da vida do pai. No ano passado, durante um desses sonhos ruins, ele quebrou um dedinho do pé chutando a parede. “Quando ele voltou pra casa, era muito agitado, fumava muito, ficava andando pela casa à noite. Não conseguia arranjar emprego. Foi bem difícil”, admite. A irmã mais velha, Gorete, sofre até hoje por ter visto os pais serem presos.
Professora alfabetizadora, Márcia conta que já participou ativamente do movimento estudantil. Hoje, no entanto, “milita” na escola. Tenta mostrar que essa história precisa ser esclarecida de forma correta aos alunos. “Ela é necessária para compreender a história do Brasil. Eu não penso exatamente como o meu pai, que tem uma visão mais dura. Mas nós aprendemos um com o outro e isso é importante para outras gerações”, defende.
Há cerca de dois anos, Márcia começou a ajudar o pai a elaborar materiais para apresentações. As histórias contadas em capítulos fora de ordem na infância ganharam cronologia, detalhes. “As palavras vão ganhando outro peso. Quando penso no quanto meu pai sofreu, me pergunto como ele conseguiu aguentar tanta coisa. Só recentemente ele passou a admitir tudo que o fez sofrer: não ver minha irmã completar 15 anos, não me ver nascer. Dói muito”, ela relata.
O orgulho da família e a certeza de sua força são esperança em mais um momento difícil: Losada foi atropelado recentemente. Ele participaria de uma reunião na Câmara de Vereadores de Porto Alegre sobre eventos relacionados aos 50 anos do golpe. Hospitalizado em uma situação delicada, a família se concentra na força que ele teve para enfrentar a ditadura. “Ele vai sair dessa também”, emociona-se.
Lembranças reconstruídas
Carlos Lisboa Travassos não possui lembranças do pai. Pelo menos, não as próprias. “Eu o conheci muito pouco. Ele faleceu quando eu tinha 2 anos. Tenho lembranças reconstruídas pela minha imaginação, pelo que me contaram dele”, afirma o geógrafo de 34 anos. Filho de Luiz Travassos, que presidiu a União Nacional dos Estudantes (UNE) entre os anos de 1967 e 1969, e Marijane Lisboa, socióloga, professora e líder estudantil à época, Carlos cresceu ouvindo histórias sobre o carisma do pai, as lutas do pai e da mãe, as lições sobre o período difícil que viveram.
Alan Sampaio / iG Brasília
Carlos Travassos não possui lembranças do pai: “Eu o conheci muito pouco. Ele faleceu quando eu tinha 2 anos"

Seus pais se conheceram no movimento estudantil. Os dois foram presos e sofreram as violências da ditadura. Travassos foi detido em um famoso Congresso da UNE junto com centenas de outros estudantes, entre eles o ex-ministro José Dirceu. Ficou quase um ano preso e foi solto junto com outros 14 presos políticos em troca do então embaixador dos Estados Unidos Charles Elbrick, que havia sido sequestrado por um grupo armado.
Marijane passou mais tempo na prisão do que Travassos. Até conseguir um asilo na embaixada do Chile e se mudar, foram idas e vindas da prisão. Em terras chilenas, Travassos e Marijane se casaram. Juntos passaram pelo golpe chileno. Deixaram o país rumo a Alemanha, onde nasceu a primeira filha e se formaram. Voltaram apenas no final de 1979, com a Lei da Anistia. Marijane voltou grávida de Carlos e, em 1982, perdeu o marido em um acidente de carro.
Além de orgulho, Carlos sentiu, ainda muito novo, o mesmo interesse dos pais em conhecer mais sobre a política, entender a história do próprio país, os contextos sociais em que vivia. Nas conversas com os amigos dos pais – que passaram um bom tempo ajudando a manter viva a memória do falecido e a “curiosidade do órfão” nutrida – descobriu uma pessoa que lamentou não ter conhecido melhor. “Sempre soube o que aconteceu a eles. Entendi o que era morte e o valor da vida ainda muito cedo”, conta.
Sempre muito atuante politicamente, a mãe de Carlos levava os filhos para comitês onde as eleições diretas eram discutidas, as primeiras campanhas desenhadas. Com paciência e didática, ele conta, a mãe explicava fenômenos históricos e sociais. Criticava o mundo e tornava ele a irmã cidadãos mais conscientes. “A ditadura foi um assunto natural em casa. As primeiras reações que me lembro foram de raiva, injustiça. Aquele sentimento infantil de vingança. Depois fui compreendendo que meus pais mesmos eram contra a violência”, recorda.
De uma experiência mais próxima com as políticas partidárias, Carlos partiu para pensar as políticas públicas. Encontrou formas diferentes de manter viva a memória daquele tempo. Estuda – e coordena – o trabalho da Funai com tribos isoladas. A ditadura aparece sempre no cotidiano. “Esses povos foram usados na ditadura. Ainda desenterramos arquivos escondidos. É importante enxergar que há trechos da história que se repetem”, comenta.
O geógrafo gostaria que as lembranças e entendimentos sobre o período fossem mais disseminadas. “Acho que a educação deveria promover mais reflexões políticas sobre esse período, que ainda está distante de muita gente”, afirma.
Veja imagens da resistência e da repressão pós-golpe 1964
Estudantes protestam contra o golpe militar no centro de São Paulo. Foto: Arquivo Brasil Nunca Mais
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